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Enzima que digere plástico pode ajudar a melhorar reciclagem

Para conhecer melhor uma bactéria capaz de digerir o plástico das garrafas, uma equipa de investigadores conseguiu melhorar, por acaso, a enzima responsável pela digestão do plástico PET, tornando-a 20% mais eficiente.

Um grupo de cientistas da Universidade de Portsmouth, no Reino Unido, melhorou por acaso uma enzima que estava a estudar. Batizada como PETase, esta enzima modificada é capaz de digerir polietileno tereftalato (PET), plástico duro conhecido que demora centenas de anos a degradar-se na natureza. Esta descoberta pode revolucionar o processo de reciclagem dos plásticos, dizem os investigadores à frente da investigação.

Em 2016, os cientistas descobriram em Sakai, no Japão, uma bactéria (Ideonella sakaiensis) que vivia nos sedimentos de um centro de reciclagem de garrafas de plástico. Esta é a única bactéria conhecida até hoje que evoluiu o suficiente para digerir o plástico das garrafas, usando-o como principal fonte de energia. Fazia-o produzindo uma enzima que os investigadores da Universidade de Portsmouth começaram a estudar mais aprofundadamente.

Os resultados da investigação foram agora publicados na revista Proceedings of the National Academy of Sciences. No artigo, os cientistas começam por descrever a estrutura da enzima produzida pela bactéria japonesa que conseguiram deslindar graças ao sincrotrão britânico conhecido como Diamond Light Source, uma máquina que produz raios X tão intensos que consegue pôr a nu átomos individuais. A seguir, criaram um modelo 3D da enzima para facilitar o seu estudo. Os cientistas descobriram que a estrutura da enzima era muito semelhante à que muitas bactérias desenvolveram para digerir cutina, um polímero que é a componente principal da cutícula presentes nas folhas das plantas terrestres. E, enquanto manipulavam a enzima, perceberam que melhoraram acidentalmente a sua capacidade de digerir os plásticos PET, ao ajustarem alguns resíduos na sua superfície.

“Não é uma melhoria assim tão grande – apenas 20% –, mas não é essa a questão”, disse John McGeehan investigador à frente da equipa da Universidade de Portsmouth ao jornal The Guardian. “É incrível porque nos diz que a enzima ainda não está otimizada.” Nos testes, a enzima modificada consegue digerir plástico em apenas alguns dias, o que na natureza demoraria centenas de anos. E ainda pode melhorar.

Os cientistas testaram também a capacidade de digestão de plástico PEF de origem vegetal, com um tempo de degradação na natureza semelhante ao PET. “Ficámos maravilhados com o que vimos na experiência porque, na verdade, funciona melhor no PEF do que no PET”, disse McGeehan à BBC.

Os plásticos como o PET são produzidos a partir do petróleo. Para além do tempo que demoram a degradar-se, o seu processo de reciclagem também não é muito eficiente. Ao longo do processo, os materiais vão perdendo propriedades e qualidade. Das garrafas de plástico transparente são feitos tecidos térmicos ou carpetes que depois acabam em lixeiras.

A enzima PETase reverte o processo, porque reduz os plásticos aos seus dois “ingredientes principais”, prontos para serem usados outra vez. “Podem ser usados para fazer mais plástico que impediria que usássemos mais petróleo… Fechávamos o ciclo e teríamos uma reciclagem na verdadeira aceção da palavra”, disse o investigador à BBC. “Há uma necessidade urgente de reduzir a quantidade de plástico que acaba em lixeiras ou no ambiente e acho que, se pudermos adotar estas tecnologias, então teremos uma para uma potencial solução de futuro”, acrescentou.

Por minuto vende-se um milhão de garrafas em todo o mundo, mas só 14% acabam na reciclagem, de acordo com os números do Guardian. Muitas dessas garrafas acabam no mar e nos oceanos onde colocam em risco a vida marinha e a vida das pessoas que comem peixe e marisco. “É um daqueles materiais-maravilha que está demasiado bem feito”, avaliou McGeehan.

No entanto, antes da sua aplicação industrial ser economicamente viável, a enzima PETase ainda vai ter de ser melhorada. Uma das possibilidades exploradas é a de transplantar a enzima modificada para uma bactéria extremófila, capaz de sobreviver em condições geoquímicas extremas, como temperaturas acima dos 70 graus Celsius, ponto de fusão do plástico PET, uma vez que o plástico se degrada entre dez a 100 vezes mais depressa se estiver derretido.

Pode assim abrir novas possibilidades para a indústria, mas também novos desafios. Adisa Azapagic, da Universidade de Manchester (no Reino Unido), ouvida pelo Guardian, lança o alerta: “Teria de se fazer uma avaliação de todo o ciclo de vida da enzima, para assegurar que a tecnologia não resolve um problema ambiental – o lixo – às custas de outros, como emissões de gases de estufa adicionais.”

 

Fonte: Jornal Público 
Revisão: Dr.ª Ana Freitas
Acedido a: 18 de abril de 2018