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Demonstrada pela primeira vez relação entre resistência aos antibióticos e maior capacidade das bactérias para causar infeção

Através da análise comparativa da comunidade microbiana intestinal de diferentes populações em todo o mundo, um grupo de investigadores, coordenados pela portuguesa Teresa Nogueira, demonstrou pela primeira vez que existe uma correlação entre a resistência aos antibióticos destas bactérias e a sua maior capacidade para causar infeção.

Um novo estudo, publicado na revista científica mSphere da Sociedade Americana para a Microbiologia, comparou resultados obtidos para a análise do microbioma intestinal humano de diferentes populações em todo o mundo, com diferentes graus de acesso e hábitos de uso de antibióticos.

Em comunicado, os autores sublinham que centenas de bactérias não-patogénicas – essenciais para a nossa saúde e bem-estar – são também afetadas pelos milhares de toneladas de antibióticos usados anualmente na saúde humana e animal.

"Estas bactérias podem desenvolver mecanismos de defesa que as tornam resistentes aos antibióticos, transmitindo esta resistência à sua descendência e a outras bactérias com as quais interagem", explicam.

“Estes resultados levam-nos a especular que a exposição a antibióticos poderá promover não só a seleção de estirpes de bactérias resistentes como também com maior capacidade para causar infeção, como efeito colateral. Concluímos que a exposição a antibióticos poderá promover a seleção de bactérias patogénicas no intestino, o que constitui um efeito perverso, pois é contrário ao intuito de utilizar os antibióticos para eliminar as bactérias patogénicas”, explica Teresa Nogueira, investigadora do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais – cE3c, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, e coordenadora do estudo.

Para este trabalho, os investigadores recorreram a estudos científicos anteriores que disponibilizam publicamente a informação genética sobre os microrganismos existentes nos microbiomas intestinais de indivíduos saudáveis, provenientes de diferentes pontos do mundo. Em particular, os investigadores compararam o microbioma intestinal de três populações humanas de origens geográficas distintas: da América do Norte – uma sociedade industrializada com acesso a cuidados de saúde e higiene para controlo de infeções -, e de duas sociedades rurais opostas: de índios da Amazónia, que não contactam com antibióticos comerciais, e do Malawi, um país subdesenvolvido com acesso limitado a cuidados primários de saúde e com hábitos de automedicação com antibióticos obtidos no mercado paralelo.

“Verificámos que a correlação entre a maior resistência das bactérias aos antibióticos e a sua maior capacidade para causar infeção é mais forte tanto em comunidades industrializadas, como na América do Norte, como em países subdesenvolvidos como o Malawi, onde as pessoas estão expostas a antibióticos de origem industrial. No entanto, esta correlação é muito mais fraca nos índios da Amazónia, que por se encontrarem isolados não têm qualquer contacto com antibióticos comerciais. Estes resultados sugerem que os hábitos de utilização de antibióticos sejam uma das possíveis causas para esta correlação”, refere Teresa Nogueira.

Francisco Dionísio, investigador do mesmo centro e coautor deste estudo, acrescenta: Embora os antibióticos atinjam igualmente os biliões de bactérias não-patogénicas presentes nos animais e nas plantas, a correlação que encontrámos entre a diversidade de genes de patogenicidade e de resistência a antibióticos sugere que estes medicamentos são utilizados essencialmente quando está em curso uma infeção bacteriana: se a toma de antibióticos fosse totalmente desassociada das infeções bacterianas, provavelmente não encontraríamos esta correlação positiva”.

Os investigadores encontram-se agora a estudar qual o mecanismo genético que está na origem desta correlação. “Os nossos resultados representam mais um alerta para a necessidade de um uso consciente e prudente dos antibióticos, apenas quando estritamente necessário e se existir indicação médica, bem como no controlo do seu uso na indústria alimentar e agropecuária”, conclui Teresa Nogueira.

Este trabalho resulta da colaboração entre investigadores do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais e do Instituto de Sistemática, Evolução e Biodiversidade (ISYEB) da Universidade de Sorbonne (França).

Fonte: Revista Visão
Acedido a 07 de maio 2019
Revisão: Drª  Ana Freitas